STF decidirá este ano se é crime não recolher ICMS declarado.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar neste ano o recurso contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou crime não pagar ICMS declarado. Foi o que indicou ontem o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, durante audiência pública sobre o assunto.
Após a audiência pública, o ministro afirmou ao Valor que pretende elaborar o voto e sugerir ao presidente Dias Toffoli que o processo seja pautado ainda no primeiro semestre. Há algumas sessões do Plenário com a pauta liberada para temas urgentes. Mas Barroso considera “mais realista” pensar no segundo semestre.
A tese é relevante para empresários e governos estaduais. Alguns Estados, como Santa Catarina, já adotam a tese. Outros, como São Paulo, estudam sua aplicação. O número de pessoas que podem ser atingidas pela criminalização dessa conduta nesses dois Estados pode superar 200 mil, segundo afirmou o defensor público Thiago Campos, de Santa Catarina. Já a subprocuradora-geral da República, Cláudia Sampaio Marques, disse que esse número mostra quantas pessoas sonegam ICMS.
O tema foi julgado no STJ em agosto do ano passado. Por maioria, a 3ª Seção negou um pedido de habeas corpus de um casal de empresários de Santa Catarina que não pagaram valores declarados do tributo. A prática foi considerada apropriação indébita tributária, com pena de seis meses a dois anos de prisão, além de multa. No pedido, os empresários alegam que estão sendo processados criminalmente por mera inadimplência fiscal, sem fraude, omissão ou falsidade de informações.
Na audiência pública, participaram representantes de diversas entidades, como Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Fecomercio-SP e Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), além de tributaristas e criminalistas. “É uma questão complexa, a ponto de colocar em lados opostos dois dos principais e mais reverenciados ministros do STJ, o ministro Rogério Schietti e a ministra Maria Thereza de Assis Moura”, afirmou o ministro Luís Roberto Barroso no início da audiência pública.
O ministro, durante o evento, fez algumas ponderações e questionamentos a advogados após as sustentações. Para ele, não há dúvida de que a criminalização auxiliaria na arrecadação. Mas resta saber, acrescentou, se o ganho em arrecadação compensa a perda com a exacerbação do direito penal.
Em outro momento, Barroso questionou o tributarista Kiyoshi Harada, que representa a Fecomercio-SP sobre uma solução alternativa, que afastaria a criminalização e atenderia ao interesse do Fisco. O ministro sugeriu que, no momento do pagamento de uma compra, o sistema já direcione o que é do comerciante e o que é do Fisco, evitando a criminalização.
No final da audiência, Barroso afirmou que há uma distorção no sistema tributário, que é a cobrança sobre o consumo. “Eu e meu caseiro pagamos o mesmo tributo”, afirmou.
Para ele, a exacerbação do direito penal parece não ser um caminho ideal, nas circunstâncias do Brasil. Mas, ponderou, o não recolhimento tributário faz mal ao país de forma geral e cria vantagens competitivas para quem não é correto.
O advogado Gustavo Amorim, que representa os empresários catarinenses, citou, na audiência pública, um precedente contrário à criminalização, julgado pelo STF em 1971 (RHC 67.688/DF). “Até hoje sempre partimos da premissa de que salários são a primeira obrigação do dirigente de uma empresa. A partir do momento que passa a ser crime a inadimplência tributária, vamos nos sentir obrigados, na prática, a rever esse princípio.”
O procurador do Estado de Santa Catarina, Giovanni Andrei Franzoni Gil, afirmou que a dívida já chega a R$ 700 mil e citou precedentes do STF envolvendo tributo português. Para a subprocuradora geral da República, Cláudia Sampaio Marques, não se trata de mera inadimplência civil. “Há dolo gravíssimo na conduta”, afirmou.
Apesar da audiência pública, não há previsão de quando o processo será julgado no Supremo (RHC 163.334). Entre os advogados, há pressa. A decisão do STJ já surtiu efeitos. Foram tomadas, na Corte, 111 decisões desde o precedente da 3ª Seção para retomar as ações penais, segundo o advogado Alexandre Ramos, da Fiesp.
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon